São Paulo, 16/5: nem "Guerra dos Mundos", nem 11/9
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São Paulo, 16/5: nem "Guerra dos Mundos", nem 11/9



Os acontecimentos em São Paulo entre a sexta, dia 12, e a segunda, 16/5, por sua proporção, foram gravíssimos e inéditos no país. Faço aqui observações meramente iniciais, pontuais de quem viveu e recebeu, no calor dos acontecimentos, apenas uma fração das múltiplas informações que circularam.

Em especial para os que não são de São Paulo, informe-se que se viveu uma gradativa espiral de tensão em quatro dias de ataques, mortes, informações desencontradas e de intensa cobertura das rádios, TVs, jornais, internet, etc... Além de telefonemas e comunicações diversas entre as pessoas dentro de suas redes sociais mais próximas.

Um bom condensado (parcial) dos acontecimentos até a segunda está disponível no UOL em sua edição de segunda, dia 16. Verifique também: Cobertura completa e permanentemente atualizada do UOL. O especial do Terra (mais limitado). E o balanço da Agência Estado.

Somando-se as ocorrências até sexta,19, pela manhã, eis um balanço "médio" (os números variam conforme cada veículo): quase 300 ataques à polícia e suas bases, ao menos 80 ônibus incendiados ou atingidos, mais de 170 mortos e de 60 feridos e 74 rebeliões em 105 presídios.

Até comunidade de apoio no Orkut o Primeiro Comando da Capital possui! (Ainda que a comunidade tenha 'emagrecido' de 240 para 42 'filiados' desde o início dos atentados).

Acho que os boatos (pelo que acompanhei e escutei) foram até poucos proporcionalmente ao tamanho da cidade, à dimensão dos acontecimentos e à dificuldade de se apurar com precisão o que estava acontecendo em tantas frentes. As equipes de reportagem externas dos veículos - muito enxutas - obviamente não tiveram condições de cobrir in loco a multiplicidade dispersa de tantos 'eventos'.

Instaurou-se uma espécie de síndrome de pânico coletivo, que se desenrolou em um crescendo ao longo do dia. A ousadia dos atentados insuflados pelo PCC surpreendeu.

Logo na manhã de segunda, com as dezenas de ônibus incendiados e as empresas de transporte suspendendo os serviços, o que dificultou a locomoção de alguns milhões. A partir do começo da tarde, comércio, serviços e escritórios (mesmo em edifícios fechados) começaram a dispensar funcionários com alertas especiais de cuidado. Às 16 horas, centenas de escritórios encerravam atividades. Isso teria se acelerado a partir do fechamento do comércio em algumas ruas críticas da cidade como 25 de Março, Teodoro Sampaio e região do Largo 13 de Maio, em Sto Amaro.

Também escutei (no auge dos acontecimentos) 'informações' sobre o estudante morto no ou do Mackenzie. Tal rumor (junto com um suposto ataque não confirmado à FAAP) deve ter contribuído para a decisão de universidades (principalmente aquelas que teriam aula na segunda à noite) de interromper seu funcionamento. Sobre a USP, escutei que muitas turmas teriam suspendido informalmente suas aulas.

A decisão de suspender as aulas à noite reforçou o fechamento do comércio de rua, shoppings, bares, padarias, etc... no final do dia.

O impacto via imagens na TV e programas de rádio foi muito maior do que o que estava na internet. Em especial no final do dia, da intensa cobertura das rádios em um trânsito congestionado, com motoristas temerosos presos em seus carros e demorando, muitas vezes, o dobro do tempo para chegar em casa.

Adicionalmente, houve uma sobrecarga no sistema telefônico de celulares, o que inviabilizou muitas ligações.

Em suma, um efeito cascata. A sociologia tem, como sabemos, muitos trabalhos sobre a dinâmica psicosocial do pânico em multidões. Mudou a escala e se alastrou o temor sem freios em uma cidade que tem 10,5 milhões de habitantes (só no limite do município).

Os fatos base foram, entretanto, muito reais. Distante e diverso, como chegou a ser comparado, com a comoção causada na população de Nova York com o genial programa radiofônico de Orson Welles, 'Guerra dos Mundos', às vésperas do Dia Das Bruxas no ano de 1938, sobre suposta invasão marciana.

Roberto Datena, na TV Bandeirantes, num arroubo retórico, chegou a comparar os acontecimentos da segunda-feira negra, dia 16, com o 11 de setembro em Nova York. Algo, com certeza, muito muito distante em termos de escala, ainda que sinalize a gravidade dos fatos e do estado de espírito de parte da população (e que não foi toda ela, registre-se, tomada pelo temor).

Em relação à internet (caberia desmembrar a análise em sites de notícias, comunidades virtuais ou outras formas de contato digital), em linhas gerais, não acho que ela tenha tido um papel extraordinário para alastrar pânico ou boatos. Talvez até o contrário. Talvez até ela possa ter contribuído para passar uma melhor proporção dos fatos.

Com uma grave exceção. Aparentemente, os boatos foram mais fortes justamente entre estudantes universitários e os de colégio por intermédio de celular e também mais sintonizados na internet e em comunidades virtuais. Nesse segmento, o celular foi o grande veiculo durante a segunda-feira para uma rápida comunicação eletrônica boca-a-boca.

Grande parcela de estudantes teria dado mais crédito a informações imprecisas via celular, e-mails e scraps do Orkut que às intensas coberturas por sites jornalísticos, rádios (CBN, Band, Eldorado) e das próprias televisões. (Ainda que alguns veículos tenham também publicado informações não-confirmadas: como o Terra sobre suposto atentado na Faap).

É um fenômeno social a examinar, portanto. Uma faixa etária que estuda, lida com o conhecimento, está se formando e, ao mesmo tempo, mais suscetível a boatos e desinformações.

Também repare-se outro detalhe importante: delegados, policiais e advogados criminalistas assumiram a linha de frente de critica à situação nos programas de televisao (em entrevistas, debates, no Roda-Viva etc...). Com uma certa exceção do programa da TV Cultura, foram estes - mais partidários de um linha que Dora Kramer, em sua coluna em "O Estado de S. Paulo", batizou de "brucutus" em contraposição aos defensores dos "direitos humanos" - que estavam na ofensiva das críticas (às medidas tomadas, ao timing das decisões do governo, aos criminosos, ao desaparelhamento da polícia etc...). Foi reduzida a participação de outras vozes, usuais nesta ordem de debate (ou como fontes de entrevistas, por exemplo). Perdeu-se completamente o espaço do contraditório, notadamente em alguns programas de televisão.

Por fim, ressalve-se que esta é apenas uma exposição um tanto quanto crua de observações feitas no calor dos acontecimentos. Tudo é muito recente. Uma análise detida e ponderada da dinâmica do triângulo fatos primários / noticiários / circulação informal de informações merece, obviamente, ser feita.



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