ENTREVISTA COM PAUL SINGER
Comunicação

ENTREVISTA COM PAUL SINGER


Entrevistei na última quinta-feira o economista Paul Singer, que veio a Londrina participar de um evento da Economia Solidária. Autor de vasta bibliografia, Singer é referência no pensamento econômico de esquerda no Brasil. Como não é todo dia que se entrevista um intelectual desse calibre, publico aqui na íntegra a entrevista que saiu na edição impressa do JL de ontem e também na edição on line.

A foto é de Marielli Baratto.


Fábio Silveira

JL – O senhor é um dos fundadores do PT.
Paul Singer – Sim, sou um. Eu e mais alguns.

JL – O governo e o poder fizeram o PT sair daquilo que era o rumo original? 30 anos depois, dos quais 8 no poder: mudou muito o partido?
PS – Mudou

JL – O senhor disse que os partidos [brasileiros] não têm convicção. O senhor coloca o PT entre os partidos que não têm convicção?
PS – Boa pergunta. O PT tem convicção, sim. Isso foi demonstrado nesse congresso extraordinário que o PT fez há algumas semanas, quando adotou resoluções que eu acho que nenhum outro partido brasileiro adotaria. O PT exige que nenhum parlamentar seu seja reeleito mais do que duas vezes se for deputado e uma única vez se for senador. É bastante tempo, mas lembro do [José] Genoíno, por exemplo. Foi reeleito umas sete vezes. Não é culpa dele, evidentemente, é legitimo, mas agora o partido resolveu que não. E além disso, em todas as candidaturas, direção do partido, etc, deve haver no mínimo metade de mulheres e uma porcentagem de negros [ele não lembra a porcentagem exata]. Então resoluções concretas que mostram que o PT tem pelo menos algumas convicções importantes que o diferenciam dos demais partidos que não adotaram nada disso. Eu não estive nesse congresso, não sabia que isso estava sendo proposto, mas isso para mim é prova. Há um processo de degenerescência do PT e todos os partidos, sobretudo os que passam pelo poder, pelo governo, estão sujeitos a isso. A degenerescência, a meu ver, tanto do PT quanto de outros partidos de esquerda que passaram pelo governo é a compulsão de ganhar as eleições sempre. O partido vira uma máquina eleitoral. Tem outros objetivos também, mas o objetivo de ganhar, de eleger prefeitos, governadores, parlamentares passa a ser mais importante até do que os seus princípios ideológicos, etc. No que se refere principalmente a alianças, houve uma mudança total. Quando a gente começou no PT, você lembrou que eu fui um dos fundadores, o PT quase que estava proibido de se aliar a qualquer um que não estivesse a sua esquerda. Na época não havia ninguém à sua esquerda, então nós disputávamos sozinhos. Quando o Lula foi candidato a governador de São Paulo, em 1982 e depois à presidência, em 1989, nós praticamente não tínhamos aliados. No segundo turno, sim, mas mesmo assim foi difícil porque o PT era extremamente seletivo. Tinha que ter uma certa coincidência ideológica. A partir do governo Lula isso foi totalmente abandonado. Hoje o [Paulo] Maluf está na base do governo. Enfim, todos os tipos de partidos de esquerda nunca tiveram nada. Há um argumento racional, um governo precisa contar com a maioria no Legislativo, precisa ter uma base, se possível majoritária. Senão, ele não consegue cumprir a sua plataforma e assim por diante. Agora, há os piores políticos. Não são os da direita, são os que se aproveitam da política por beneficio próprio, fazem questão de apoiar o governo. Estar na oposição para eles não adianta nada, não é negocio. E acabamos ficando com todos eles também. Eu acho que isso é uma pena, eu entendo e eu não tenho alternativa, quer dizer, do jeito como o sistema político democrático brasileiro funciona talvez seja difícil fazer diferente. Não obstante, o que eu critico no meu próprio partido é que esse assunto nunca foi discutido abertamente. Houve uma mudança muito forte em coisas que eram consideradas vitais e não houve uma discussão correspondente a isso que seria, a meu ver, vital. É uma pena. Mas ainda tem tempo. Eu pertenço ao Mensagem ao Partido, uma corrente que esta crítica e infeliz com essa involução que o partido sofreu, mas acredito que ele pode ser regenerado.
JL – O senhor disse na palestra que é socialista, no entanto a sua visão econômica não é hegemônica no governo. A visão hegemônica do governo é a visão liberal. Como o senhor encara isso?
PS – Eu não estou de acordo com isso. Você está gravando o meu desacordo. Se você tivesse me perguntado isso antes da queda do [ex-ministro Antônio] Palocci, não esta ultima, a queda do Ministério da Fazenda, eu concordaria com você. O Palocci, quando se tornou ministro da Fazenda, preservou toda a diretoria do Banco Central e chamou para o Ministério da Fazenda pessoas que tinham trabalhado na administração do Fernando Henrique [Cardoso, ex-presidente] e que ocuparam postos chave no Ministério. Então nos primeiros três anos do governo Lula, eu estava lá, o Ministério da Fazenda e o BC eram uma coisa à parte. O resto do governo todo, até onde eu pude perceber, era gente de esquerda. Mas a Fazenda e o BC, a direção, pelo menos, era gente de... direita não, neoliberal, democráticos, etc. Mas certamente não de esquerda. Com a queda do Palocci, que foi por uma razão estritamente pessoal, não foi pela política dele, ele caiu por causa do Francenildo, o famoso caseiro, que o denunciou como mentiroso, o atual ministro da Fazenda, o Guido Mantega, uma pessoa que foi meu chefe de gabinete quando eu fui secretário de Planejamento em São Paulo, uma pessoa que eu conheço muito bem, ele é totalmente diferente. Ele não está fazendo uma política neoliberal, nem um pouco. Ele está fazendo uma política, eu diria, desenvolvimentista, democrática, social, bem diferente daquela que teve na época do Palocci.
JL – De um modo geral a imprensa avalia que não existem diferenças econômicas entre os governos do PT e do PSDB.
PS – Não. Só é verdade até 2005, quando houve a troca. Em 2006 o Mantega entrou sem dizer que ia mudar tudo, provavelmente seguindo instruções do presidente. O presidente não estava querendo uma mudança ostensiva de orientação, mas gradativamente houve mudança. Hoje o Brasil controla o capital corsário que vem aqui só para ganhar juros, que torna os nossos bens de exportação não competitivos, inclusive no mercado interno. Hoje nós estamos fazendo uma substituição de exportações oposta à anterior, estamos substituindo o produto nacional por produto importado. Isso está sendo revertido gradativamente, na medida em que o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) está tornando mais difícil a entrada desse capital puramente especulativo. Tanto assim que o dólar agora está subindo. Precisava subir mesmo e isso deve provavelmente permitir uma recuperação da indústria brasileira no mercado interno e no mercado externo.
JL – O senhor foi socialista a vida inteira, se declarou socialista...
PS – A vida inteira, não. Como bebê eu acho que não... (risos)
JL – O senhor disse que é possível conviver economia solidária com economia de mercado. É uma mudança de pensamento, não no espectro ideológico, mas uma mudança.
PS – Houve, claro. Tem toda razão. Durante uma grande parte da minha vida eu achei, como marxista, que o mercado tinha que ser substituído pelo planejamento centralizado, como foi implantado na União Soviética e no grande número de países, não só na Europa, Europa oriental, mas também na África e na Ásia. Houve um momento em que o chamado mundo socialista, que era o mundo da economia centralmente planejada, era mais da metade da humanidade. Principalmente depois da vitória da revolução na China. A china sozinha é um sexto da humanidade, mas houve muito mais. Eu cheguei à conclusão, isso eu não saberia a data, mas nos últimos anos, que a economia centralmente planejada é antidemocrática. Para começar, porque entrega a um grupo de peritos, de pessoas sábias, chame como quiser, um poder total sobre a vida econômica das pessoas e isso a meu ver é inaceitável. A economia solidaria pela qual eu estou lutando, que eu acho que é o socialismo de verdade, ela é incompatível com o planejamento centralizado. Portanto, ela não poderia existir em Cuba antes das últimas mudanças. Hoje tem gente em Cuba a favor da economia solidária. Eles têm espaço inclusive para defender isso. Já tem cooperativas há muito tempo em Cuba, mas só na agricultura. Mas eles estão abrindo espaço para cooperativas também para a economia urbana. Eu estive duas vezes em cuba recentemente e encontrei pessoas da economia solidária. Na medida em que a economia está sendo desestatizada parcialmente, há espaço para uma economia autenticamente socialista lá.
JL – O senhor acha que a economia solidária é a tradução de uma ideia socialista de economia.
PS – Sim. Desde a primeira Internacional (socialista), que foi liderada pelo próprio Marx, era a favor da autogestão, socialismo autogestionário. Mas nunca foi posta prática, a não ser recentemente, digamos em grande escala.
JL – O senhor falou a questão dos partidos, o problema do poder que degenerou o PT, que é possível uma regeneração.
PS – É possível, porque o PT é democrático.
JL – Hoje se fala muito e reforma política. Por onde o senhor acha que podemos ter um sistema político mais consistente, para ter partidos que tenham convicções?
PS – Esse é o grande problema da democracia no mundo inteiro. No mundo capitalista inteiro, é exatamente isso. O poder do dinheiro distorce completamente o resultado, o povo não se sente representado e passa a abandonar a democracia, deixa de votar. A democracia está em perigo hoje, está em crise. E a proposta que o PT tem em principio, eu diria que é boa. No sentido de você ter um financiamento público [de campanha], de modo a dar os mesmos recursos materiais para todos os candidatos e todos os partidos. Não vai ser inteiramente igual porque vai ser proporcional ao número de eleitores, mas pelo menos... o PMDB e o PT são dois partidos que tem o mesmo número de deputados. Eles teriam provavelmente o mesmo recurso público para financiar suas campanhas. Do jeito que está hoje o PT tem mais, porque está no governo. Tem mais recursos, porque as grandes empresas querem ser favorecidas, eu acredito que provavelmente hoje o PT receba mais contribuições que o PMDB. Estou chutando, não tenho certeza disso. O centro da proposta é retirar o poder diferenciador do dinheiro das campanhas. É dos mais importantes. Estão propondo além disso que o voto seja em lista fechada e não em nomes. Porque as pessoas quando vão votar, eu estou observando isso há muitos anos, em geral não têm candidato. Acaba escolhendo aleatoriamente. Alguém chega lá e eles falam, vote nesse, veja só, tem uma cara bonita, é professor, não sei o que. E 15 dias depois faz uma pesquisa e já não sabe mais em quem votou. Isso é muito ruim para a democracia porque fica um voto não consciente. Por outro lado, deixar a direção do partido decidir quem vai ser eleito, fica antidemocrático. Para ter lista fechada, vai ter que ter eleições primárias, que nos EUA mostrou ser essencial à sua democracia. Quando o [Barack] Obama conseguiu ganhar, contra todas as previsões, as primárias de 2008, o mundo inteiro babou de admiração e de inveja dos EUA. Eu sou favorável a termos uma instituição semelhante à dos EUA, em que a primaria é obrigatória. Antes de qualquer candidato ser registrado ele tem que passar pelo crivo dos eleitores que se inscrevem no partido dele, portanto o partido está aberto a receber os eleitores.



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