A RECOMENDAÇÃO DO MP
Comunicação

A RECOMENDAÇÃO DO MP


Posto aqui na íntegra a recomendação do Ministério Público, pedindo o recolhimento dos livros da coleção "Vivenciando a cultura afro-brasileira e indígena".



RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 006/2011






CONSIDERANDO que essa 24ª. Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina instaurou o Procedimento Preparatório nº MPPR-0078.11.000823-8, no dia 30 de junho de 2011, diante do requerimento formulado pelo Fórum das Entidades Negras de Londrina – FENEL, no qual solicita que seja realizado o recolhimento da Coleção “VIVENCIANDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA”, com 5 volumes, de Gleisy Vieira Campos e outros, da Editora Ética do Brasil Ltda., São Paulo/Capital, 2010, que foi distribuída na rede municipal de educação;

CONSIDERANDO que no referido requerimento, o FENEL sustenta que nessa Coleção “ (...) é possível identificar a teoria do embranquecimento, da miscigenação e do racismo cordial, alternada com textos que as contradizem sem conceituação ou qualquer recurso que permita aos leitores discernir tais posicionamentos teóricos, atravessados por estereótipos”; que “ (...) a história da África é omitida, da mesma forma que os conhecimentos e tecnologias de origem africana”; que “(...) a referência bibliográfica dessa coleção é composta basicamente de pesquisas realizadas na internet, e que muitos textos foram copiados integralmente”; que “(...) muitas imagens reforçam estereótipos, preconceitos e situações de humilhação e sofrimento de negros/as subjugados/as a pessoas brancas”; que “(...) a página 103 do livro do 3º ano apresenta um fato didático absolutamente lamentável: a imagem de um menino branco urinando em um menino negro”; que “(...) há erros grosseiros, possivelmente resultado da falta de revisão ortográfica, ou de edição”; que “(...) há equívocos conceituais absurdos, que comprometem a compreensão e induzem a erros graves”; que “(...) as propostas de atividades são incompreensíveis, incoerentes e/ou sem objetivo didático. Várias atividades solicitam aos alunos pesquisas que reforçam situações de preconceito, sendo que os conteúdos são apresentados de forma fragmentada, sem relação com os demais conteúdos curriculares, contrariamente ao que institui a Lei nº 10.639/03;

CONSIDERANDO que, ao final de seu requerimento, o FENEL solicita que seja essa Coleção recolhida imediata e urgentemente, para evitar danos à formação das crianças estudantes da rede municipal;

CONSIDERANDO que a Gestora Pública de Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura Municipal de Londrina, Sra. Maria de Fátima Beraldo, ao ser ouvida nessa 24ª. Promotoria de Justiça, no dia 29 de junho de 2011, mencionou que leu os livros da referida Coleção e “ (...) constatou a existência de vários erros gramaticais e ortográficos em seus volumes, além de alguns equívocos relacionados ao conteúdo da história e cultura africana e afro-brasileira; que, por cautela, entende que essa coleção poderia ser recolhida da rede nesse momento, e, em seguida, ser melhor avaliada por uma Comissão a ser constituída pelos diferentes setores da sociedade, que estudam essa temática, como o Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial, Fórum das Entidades Negras de Londrina, além do Poder Público; que tal Comissão deveria ser permanente e deliberativa; que essa coleção, a princípio, traz uma linguagem que deve ser ajustada e melhor interpretada pelos nossos educadores, os quais, nesse momento, não estão suficientemente preparados e capacitados para trabalhar com a temática do estudo da história e cultura africana e afro-brasileira; que, além disso, essa coleção será trabalhada com crianças de 6 a 10 anos, o que exige muito cuidado e perspicácia por parte do professor; que, sem dúvida, esse material paradidático deve ser melhor discutido e analisado antes de ser trabalhado em sala de aula, daí a importância da criação de uma Comissão Multidisciplinar de Análise desse material, inclusive para futuras sugestões e análises de outras coleções que se pretenda adquirir”.

CONSIDERANDO que foi encaminhado ao Ministério Público a Avaliação Crítica da referida Coleção, de autoria da Professora Doutora Elena Maria Andrei, docente de Antropologia no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina, na qual se restringiu à análise da cultura negra. Segundo essa professora, “o pior problema da Coleção é que, na sequência dos temas e na apresentação das imagens, o negro é constantemente colocado na posição de quem tem como única contribuição, para a civilização humana, a dança folclórica, a música de percussão, a comida, a capoeira, tendo, inclusive, a sua arte qualificada como primitiva e sua escrita comparada às garatujas infantis – ora, qualificar o negro como ser do lúdico, do ritmo e do batuque, significa retomar a ordenação racial proposta pelas teorias racionalistas do séc. XIX/XX: o branco como o ser da autoridade e da inteligência; o amarelo como o ser da mística e o negro como o ser do lúdico. Cada “raça” ocupando seu nicho, cada qual no seu “degrau evolutivo”, sendo, é claro, o negro percebido com um ser infantil, incivilizado e primitivo”;

CONSIDERANDO que a mencionada professora ainda assevera que “(...) essa forma de “qualificar” as pessoas negras, negando-lhes sua história, omitindo a violência que sofreram, minimizando os movimentos de resistência, descontextualizando suas realizações artísticas e sua crenças religiosas, “naturalizando” sua humilhação e sofrimento, é a forma “cordial” de discriminar, de não-respeitar, de incluir as pessoas apenas no lugar da inferioridade – fazer isto com figuras coloridas e adjetivos como “bonito”, “gostoso”, “interessante”, “forte”, não resolve nada: apenas mascara a exclusão e dificulta/desautoriza a revolta contra o preconceito”;

CONSIDERANDO que a Professora Elena Maria Andrei, ao avaliar o livro do 3º ano da Coleção em questão, argumenta que “(...) a proposta é apresentar as Linguagens que expressam as Culturas Afro-brasileira e Indígena – este é um problema recorrente nesta Coleção: ela não distingue a Cultura Afro-brasileira da Indígena, falando muitas vezes de ambas num singular identitário (...), e, em outras ocasiões se referindo à Língua ou à beleza afro-indígena. Esta identidade é uma forma altamente sutil, mas não menos destrutiva, de anular a especificidade de cada povo de suas histórias e manifestações culturais – afinal, índios e negros são, os dois, igualmente, “seres da natureza” e não, da cultura – é o que se dá a entender!. (...) p. 13: esta é uma das páginas mais perturbadoras do livro. Na parte de cima, existe um texto que reconhece que AINDA EXISTE MUITO PRECONCEITO com O POVO AFRICANO E INDÍGENA e, para estimular a reflexão e discussão sobre este fato e apresentada a seguinte poesia:
A BORBOLETA
DE MANHÃ BEM CEDO
UMA BORBOLETA
SAIU DO CASULO
ERA PARDA E PRETA
FOI BEBER NO AÇUDE
VIU-SE DENTRO DA ÁGUA
E SE ACHOU TÃO FEIA
QUE MORREU DE MÁGOA
ELA NÃO SABIA
- BOBA – QUE DEUS
DEU PARA CADA BICHO
A COR QUE ESCOLHEU
UM ANJO A LEVOU,
DEUS RALHOU COM ELA,
MAS DEU ROUPA NOVA
AZUL E AMARELA
É difícil imaginar algo mais cruel para ser dito a uma criança PARDA E PRETA: que é “natural que ela se ache TÃO FEIA que morra de MÁGOA. Mas, uma vez morta, por se julgar feia e inadequada, ainda leva bronca de Deus, que, no entanto, para consolá-la, lhe dá uma roupa nova (esta, sim, implicitamente, bonita): ROUPA NOVA AZUL E AMARELA. Tipo: loura e dos olhos azuis. Não consigo acreditar que uma equipe na qual parecem existir 02 pedagogos e 03 pessoas formadas em Filosofia não tenham percebido como esta poesia é cruel, preconceituosa e nefanda! Sem comentários!”;

CONSIDERANDO que a matéria publicada no Jornal de Londrina do dia 3 de julho de 2011 (pág. 6), sob o título “MINISTÉRIO ALERTOU SOBRE O CONTEÚDO DOS LIVROS POLÊMICOS”, segundo a qual “a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) alertou a Secretaria de Educação de Londrina que o conteúdo dos livros da coleção “Vivenciando a cultura afro-brasileira e indígena” contrapunha-se ao disposto nos marcos legais da Educação para as relações étnico-raciais”; sendo que a matéria informa que “o alerta foi feito à secretária de Educação, Karen Sabec, pela Secretária de Políticas de Ações Afirmativas da Seppir, Anhamona de Brito”. A nota encaminhada ao referido jornal pela referida Secretaria diz que “o posicionamento público da Seppir foi pela necessidade de revisão emergencial do conteúdo do material didático-pedagógico em vias de distribuição, com recomendação aos gestores municipais para que integrassem o NEAA (Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Estadual de Londrina) nesse trabalho”;


CONSIDERANDO que a referida matéria jornalística traz a informação que a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial abriu um procedimento administrativo para avaliar a situação dos livros da coleção em questão, em face de denúncia encaminhada ao ouvidor Nacional da Igualdade Racial, Carlos Alberto Júnior, a qual envolve erros conceituais, textos racistas e discriminatórios;

CONSIDERANDO o Ministério Público recebeu, no dia 4 de julho de 2011, PARECER sobre tal Coleção, elaborado e subscrito pelo Prof. Dr. Wagner Roberto do Amaral, pesquisador, docente e membro da Comissão da UEL para os Índios e do Programa de Formação Intercultural da Universidade Estadual de Londrina, Prof. Dr. Paulo Henrique Martinez, pesquisador e docente da Universidade Estadual Paulista/Assis, Prof. Dr. João Batista Martins, pesquisador, docente e membro da Comissão Universidade para os Índios e do Programa de Formação Intercultural da UEL, Ana Caroline Goulart e Larissa Rocha do Amaral, estudantes do Curso de Ciências Sociais e membros do Programa de Formação Intercultural da UEL, Gilda Kuitá, liderança e professora Kaingang da Terra Indígena Apucaraninha, e Marilene Bandeira, pedagoga Kaingang da Terra Indígena Apucaraninha, segundo o qual “ (...) a referida Coleção encontra-se em desacordo com a normatização e marcos legais, as diretrizes curriculares e as proposições didático-pedagógicas vigentes no Brasil”; que tal Coleção “(...) compromete a qualidade dos processos de ensino e aprendizagem da história e cultura indígena devido às inadequações didático-pedagógicas constantes em textos, imagens e atividades de avaliação de conhecimento nos cinco volumes”; “(...) que a referida coleção, pelas suas características e os elementos destacados acima, inibe e restringe o acesso e a promoção da cidadania, da igualdade, da identidade e da diversidade histórica e cultural da população indígena no Brasil”; “(...) que a referida Coleção não apresenta as orientações técnicas e didático-pedagógicas necessárias para o trabalho dos professores no ensino fundamental”;
CONSIDERANDO que o documento supra traz 4 (quatro) conclusões, com destaque para as de números 1 (imediato e completo recolhimento dos volumes da Coleção), 2 (criação de um sistema regular e permanente de avaliação de livros didáticos voltados à temática História e Culltura Afrobrasileira, Africana e Indígena destinados à rede municipal de Ensino Fundamental de Londrina) e 3 (viabilização de uma agenda permanente de formação continuada dos professores da rede municipal de educação de Londrina, voltada à história e cultura africana, afrobrasileira e indígena, sobretudo dos grupos étnicos que habitam o território paranaense (povos Kaingang, Guarani, Xeta e Xockleng);

CONSIDERANDO que o referido PARECER traz um detalhamento da análise da Coleção em questão, mencionando vários equívocos e erros conceituais, inclusive em informações históricas; ressaltando a existência de textos que reforçam uma representação estigmatizada dos povos indígenas etc.;

CONSIDERANDO que as Leis Federais nº 10.639/03 e nº 11.645/2008 alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), em seu art. 26-A, instituindo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena em todos os estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, objetivando resgatar as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil;

CONSIDERANDO o contido no artigo 127, da Constituição Federal que dispõe que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”;

CONSIDERANDO que o inciso II, do artigo 129, da Constituição Federal estabelece que é função do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”;

CONSIDERANDO, ainda, o artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, o qual faculta ao Ministério Público expedir recomendação administrativa aos órgãos da administração pública federal, estadual e municipal, concessionários e permissionários de serviço público estadual ou municipal, e a entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município ou executem serviço de relevância pública; e

CONSIDERANDO o artigo 57, V, da Lei Complementar n.º 85, de 27 de dezembro de 1999, que define como função do órgão do Ministério Público, entre outras, a de promover a defesa dos direitos constitucionais do cidadão para a garantia do efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública,

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por intermédio da 24ª. Promotoria de Justiça da Comarca de Londrina, no exercício das suas funções institucionais de que tratam os artigos 127 e 129, II, da Constituição Federal, e arts. 5º, I, “h”, II, “d”, III, “e”, e IV, e 6º, VII, “a” e “c”, da Lei Complementar nº 75/93, e art. 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625/93, bem como no artigo 120, II, da Constituição do Estado do Paraná, dentre outros dispositivos legais,

expede a presente


RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA


à SENHORA KARIN SABEC VIANA, SECRETÁRIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LONDRINA, para que adote todas as medidas administrativas necessárias no sentido de, no prazo de 5 (cinco) dias, realizar o recolhimento de todos os exemplares da referida Coleção “VIVENCIANDO A CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA”, de 5 (cinco) volumes, os quais foram distribuídos, ao que consta, para todas as escolas da rede municipal de ensino; e que, de imediato, seja constituída uma Comissão permanente, integrada por representantes do Fórum das Entidades Negras de Londrina, Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos (NEAA) da Universidade Estadual de Londrina, Comissão Universidade para Índios e do Programa de Formação Intercultural da Universidade Estadual de Londrina, Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial de Londrina, Conselho Municipal de Educação de Londrina e Secretaria Municipal de Educação de Londrina, para que analise e avalie essa Coleção e outras que o Poder Público queira adquirir, visando cumprir as Leis Federais nº 10.639/03 e nº 11.645/2008; não devendo, por essa Secretaria Municipal de Educação, ser aprovada uma nova distribuição dessa Coleção em questão, assim como a compra de outras Coleções, sem a aprovação dessa Comissão, a ser criada no âmbito da Secretaria Municipal de Educação.




O Ministério Público aguarda, no prazo de 5 (cinco) dias, uma resposta por escrito quanto às medidas administrativas adotadas pela Secretaria Municipal de Educação de Londrina, visando atender à presente RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA.

Comunique-se ao Fórum das Entidades Negras de Londrina, Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos (NEAA) da Universidade Estadual de Londrina, Comissão Universidade para Índios e do Programa de Formação Intercultural da Universidade Estadual de Londrina, Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial de Londrina, e do Conselho Municipal de Educação de Londrina.






Londrina, 4 de julho de 2011.




Paulo César Vieira Tavares
Promotor de Justiça



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