O dia em que o jornalismo cidadão foi à guerra
Comunicação

O dia em que o jornalismo cidadão foi à guerra


Em 1975, o Timor Leste foi invadido por tropas indonésias, dando início a um genocídio que resultou na morte de aproximadamente 1/3 da população e que foi sistematicamente ignorado pela imprensa internacional.

A ocupação durou até 1999, mas só em 2002 Timor Leste foi reconhecido como Estado independente. Na época do massacre, não havia internet. O que ocorreu no país só entrou em pauta na mídia por força de jornalistas independentes e ativistas políticos como Noam Chomsky.

Mianmar
Na semana passada, vimos outra história em Mianmar (antiga Birmânia), país ao sul da Ásia. Nos anos 70, o que estava acontecendo no Timor Leste só pode ser descoberto pelo relato de sobreviventes, depois da matança ter ocorrido.

Em Mianmar, celulares com câmeras, blogs, vídeos postados no YouTube, imagens do Google Earth e comunidades no Facebook vem expondo as arbitrariedades do governo local, em um país em que jornalistas estrangeiros são proibidos de trabalhar.

As autoridades reagiram fechando cybercafes, bloqueando servidores de internet, "infectando" blogs e sites com vírus, cortando ligações telefônicas e eletricidade em zonas de conflito. Há um setor especializado em "guerrilha cibernética" no governo.

Os protestos em Mianmar começaram em agosto, depois que o governo aumentou o preço dos combustíveis. As manifestações, tendo à frente monges budistas, foram reprimidas.

Versões oficiais - contestadas - falam em 15 mortos, incluindo o fotógrafo japonês Kenji Nagai (foto). Depois que os fatos foram divulgados na rede, a comunidade internacional começou a pressionar o governo de Mianmar.

Ossos e Ofício
O caso Mianmar é interessante também para discutir o conceito de jornalismo cidadão. Creio que o termo não é adequado, pois leva à interpretação errada de que todos podem ser jornalistas. Não é isso.

Todos podem "fazer mídias", todos podem produzir conteúdo. Não o fazem, necessariamente, com a técnica que uma cobertura jornalística exige. É como se botássemos uma câmera fotográfica e um gravador nas mãos de nossas fontes e disséssemos: "qualquer ocorrência, registre e me envie!".

Todo o material produzido precisa ser depurado. Ou checado, "rechecado" e "prexecado". Isso é trabalho de jornalistas treinados. Quem vai relacionar todas as informações sobre Mianmar, pulverizadas em blogs e sites, para que tudo faça sentido?

Lições do jornalismo cidadão
Mas o melhor de tudo nessa história é que as histórias não podem mais ser ignoradas pela grande imprensa. Se o NYT não der, a blogosfera vai dar. Pior para o NYT.

Daqui a alguns meses irão aparecer trabalhos acadêmicos e livros falando em como o jornalismo cidadão foi à guerra. E, ao que tudo indica, saiu vitorioso.

Fontes
El Pais
Folha
G1
Repórteres sem Fronteiras
Master Digital



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