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Entrelinhas da infância

Por Diego Carvalho*

_É no universo da infância que são forjados os adultos póstumos. Experiências vividas naqueles vastos anos que se espremem na metamorfose da criança em adulto são repletas de informações sobre as raízes da personalidade dos indivíduos. Sendo assim, olhar para trás significa buscar a essência própria, catar os grãos de vida que foram incorporadas ao longo da trajetória de uma pessoa.
ilustração: Leonardo Matos
_Reviver memórias não é algo simples ou fácil. Esse é um percurso nem sempre claro e muitas vezes surpreendente que pode nos dar uma maior consciência a respeito de aspectos da própria índole. Reviver memórias é enfrentar um reencontro com fatos e sensações que explicam o que somos pelo que fomos e vivemos. É nos ver diante da criança que éramos para enfrentar a realidade da pessoa que nos tornamos.

_Memórias de infância já foram contadas por grandes autores, como Graciliano Ramos em Infância (1945) e Jean-Paul Sartre em As Palavras (1964). Em novembro de 2006 foi a vez do escritor português José Saramago relatar suas lembranças de criança em As Pequenas Memórias - livro lançado simultaneamente em Portugal e no Brasil.

As Pequenas Memórias de Saramago

_Em As Pequenas Memórias (2006), José Saramago reúne lembranças soltas, relatos de sua vida dos 4 aos 15 anos de idade que vão e voltam no tempo a todo instante. Essa empreitada autoral traz consigo a melindrosa tarefa que consiste em relacionar simples relatos do que Saramago traz na memória com o exercício literário.

_Como de costume, Saramago é primoroso na construção de uma prosa que por vários momentos se dissolve em poesia. A capacidade descritiva do romancista de escrita peculiar (seja na estrutura gramatical, seja no estilo) desabrocha livremente a cada fato contado com naturalidade. Conforme o próprio autor diz no livro, ali estão "as pequenas memórias. Sim, as memórias pequenas de quando fui pequeno, simplesmente." Pitadas de comédia acompanham a fala de Saramago, que em diversos momentos faz uso da auto-ironia e concede assim uma maior leveza à sua prosa.

_A idéia do livro surgiu, como revela Saramago em certa altura da obra, nos tempos em que o autor trabalhava no romance Memorial do Convento. O projeto inicial do que até então seria "O livro das Tentações" era mostrar a subversão que a idéia de santidade provocava na natureza humana, em seu lado mais animal. Depois o autor se recolheu a essa proposta mais simples em que reúne memórias de sua meninice, embora confesse enxergar nela vestígios de sua intenção inicial, como revela no trecho seguinte: "[...] sendo eu um sujeito do mundo, também teria de ser, ao menos por simples ‘inerência do cargo’, sede de todos os desejos e alvo de todas as tentações".

_Nas linhas de memórias é possível encontrar o nascimento de motivações do Saramago autor e também alguns registros históricos que fizeram parte da sua vida. O apuro da veracidade, entretanto, não é uma exigência da obra. Ao contrário, a indefinição de fronteiras acaba interagindo com o formato livre que o escritor adotou para o "enredo" do livro - que não obedece à cronologia e nem possui rígida divisão temática. Além de tudo, essa imprecisão entra na cartilha da criatividade poética que envolve a construção literária do livro.

*Diego Carvalho é graduando em Jornalismo na Facom-UFBA



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