Internet hippie
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Internet hippie


Acredito que muitos de vocês já leram, mas achei bastante interessante a matéria que saiu no Mais! de domingo sobre a "Internet hippie" ou como os valores desse estilo de vida estão presentes no dna da rede. Tenho pensado muito ultimamente no que aproxima ou afasta usuários de alguns sites, e o quesito "chapa-branca" é um fator de afastamento em vários casos. Sei de heavy-users que andam menos contentes com o Google agora que se tornou uma superempresa. Na internet, parece que o charme de ser independente fica mais evidente. É o que sinto quando tento analisar alguns booms de produtos e o fracasso de outros.

O ideal hippie da web
Em livro lançado nos EUA, o professor de Stanford Fred Turner defende que a internet é um legado da contracultura dos anos 60

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO


A internet é um legado tecnológico dos hippies. Essa é a tese do livro "From Counterculture to Cyberculture" (Da Contracultura à Cibercultura, University Of Chicago Press, US$ 29, R$ 63), de Fred Turner, que acaba de sair nos EUA. O autor, professor de comunicação na Universidade Stanford, na Califórnia (EUA), argumenta que os cientistas responsáveis por certas redes de segurança usadas na Guerra Fria -que deram origem à internet- "nadavam" em contracultura.
Os valores hippies teriam impregnado a tecnologia hoje mundialmente disseminada -a comunicação entre pares, sem hierarquia, que é a web.
Uma peça-chave dessa influência, segundo Turner, foi o "Whole Earth Catalog" (Wec), a enciclopédia alternativa editada por Stewart Brand, que se autodenominava um livro de "acesso a ferramentas" como mapas, bibliografia, endereços de cursos e instituições, receitas "faça-você-mesmo" -sempre de acordo com o viés do comunitarismo alternativo da contracultura.
Em entrevista à Folha, Turner qualificou sua obra como um trabalho de "história cultural da computação" e estabeleceu ligações entre a tecnologia disponível e a forma como a cultura alternativa dela se apropria.



FOLHA - Como define seu livro?
FRED TURNER - Penso nele como uma história cultural da computação. Com isso quero dizer que, normalmente, se conta a história dos computadores como uma história de máquinas, de mudanças tecnológicas, enquanto meu livro tenta contar uma história "tecno-social".

FOLHA - O livro gira em torno da história do "Whole Earth" e de Stewart Brand. Qual sua importância para os desdobramentos da web?
TURNER - Foram muito importantes nas mudanças tecno-sociais, mas não tiveram reconhecimento. Foram eles que reuniram engenheiros, cientistas, representantes da contracultura e artistas. Juntos, esses grupos decidiram o sentido cultural do computador. Eles ficaram famosos, mas seu poder não foi reconhecido -o de juntar grupos que não se ligavam.

FOLHA - Eles deram cara à web?
TURNER - Muito. Pelo menos a forma como os norte-americanos a enxergam.

FOLHA - Por que o grupo de Brand teve tanta influência?
TURNER - Vamos imaginar a região de San Francisco em 1971, 1972. A era dos hippies, do rock and roll havia passado e San Francisco era o centro disso. O pessoal do computador, na época, estava fora da contracultura. Eles não eram "os bacanas". Uma vez perguntei a um deles por que se aproximou de Brand. "Porque Stewart Brand arrumava namoradas."
Assim, Brand e a contracultura trouxeram um valor social que eles não tinham. Queriam ser legais, arrumar namoradas, ter estilo. Mais tarde, no início dos anos 80, quando a contracultura já havia morrido, pessoas como Brand se voltaram para os pesquisadores em computação -que passaram, então, a ser as pessoas "bacanas"- e os ajudaram a recuperar seu status cultural.

FOLHA - Como comparar os anos 1960, quando havia muita discussão política e de modelos econômicos, aos dias de hoje, em que hackers e ativistas digitais têm questionado o capitalismo?
TURNER - É uma conseqüência negativa importante das coisas que assinalei no livro. A cultura hacker é geralmente sobre como invadir máquinas e fazer dinheiro; a luta política, para eles, é o mundo da engenharia. Enquanto pessoas morrerem no Iraque e no Afeganistão, alterar a configuração de um computador não é necessariamente um ato político forte.

FOLHA - Então os hippies não mantiveram seus ideais vivos, no esforço conjunto com os "nerds"?
TURNER - Eles mantiveram seus ideais, mas eram ideais antipolíticos. É o modelo hippie: dar as costas à política e construir uma vida privada melhor.

FOLHA - Mas isso não é o que qualquer pessoa comum faz?
TURNER - Concordo. Nos anos 60, as pessoas formavam comunidades, mas que se pareciam muito com os subúrbios que elas haviam deixado para trás: as distinções de gênero, o racismo freqüente etc.

FOLHA - E as comunidades virtuais têm os mesmos problemas?
TURNER - Em muitas comunidades, há uma retórica da comunicação entre pares, um legado da contracultura. Uma grande esperança da contracultura é erigir uma sociedade de iguais, sem governo hierárquico. Mas as pessoas não funcionam assim, nem a internet. Mesmo quando não há moderadores, há pessoas de diferentes capitais sociais -educação, relações, dinheiro.

FOLHA - Com as ferramentas de busca, as minorias podem se encontrar mais facilmente. Como isso afetou a contracultura?
TURNER - Ao tornar mais fácil a busca por outras pessoas, a internet exigiu menos compromisso do indivíduo. Nos anos 60, para encontrar quem compartilhasse de seus ideais, era preciso ler o jornal, usar o telefone ou, mais provavelmente, pegar um carro e ir até onde estavam. Isso dá trabalho.
Hoje, basta estar on-line, o que não exige tanto compromisso, mas dá a sensação de estar atuando. Há a ilusão de que falar é mudar, que é o aspecto ruim dos blogs. Falar às vezes gera mudança social, mas não com a freqüência que os falantes imaginam.

FOLHA - O sr. acredita que dessas palavras possa virá a ação?
TURNER - Não sei muito sobre a nova geração de ativistas, mas, em relação àqueles que vejo, são um pouco como os antigos.
Não estão dando as costas ao capitalismo; ao invés disso, estão usando negócios para agir. A maioria dos meus alunos, por exemplo, só quer saber de arrumar um emprego.

FOLHA - Então o sr. acha que os mais jovens tendem a deixar de lado esse viés revolucionário da internet?
TURNER - Há o indymedia [www.indymedia.org], que faz coisas para gerar mudanças. Mais poderosas que essas são as manifestações anônimas em sociedades mais repressivas, como a iraniana e a chinesa.
Nos EUA, muitos acham que a expressão individual é um ato revolucionário. É um pouco, mas não é o mesmo que formar um partido político.
Ainda não tivemos bons exemplos da internet como um lugar para forte organização. Ela funciona bem para juntar dinheiro, mas não para reunir pessoas e formar partidos.
A internet ainda está lá, pode ser usada por quem pensa em mudanças, mas aqueles que querem mudanças sociais precisam se concentrar em organização social, em política, e usar as ferramentas da internet -a habilidade de conectar, falar, representar- como apoio para a construção de novas instituições políticas -não apenas espaços de conversação política; esses já existem em número mais do que suficiente.



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